Manifesto dos Catadores e Catadoras da Vila Princesa e que trabalhavam no Lixão de Porto Velho

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Manifesto dos Catadores e Catadoras da Vila Princesa e que trabalhavam no Lixão de Porto Velho



Porto Velho, RO - Nós catadores e catadoras residentes na Vila Princesa, há 30 anos executávamos nosso trabalho no lixão da Prefeitura Municipal de Porto Velho separando material reciclável para vender e desta forma tirávamos dali o sustento de nossas famílias, mas de agosto até novembro do corrente ano de 2023 foi nos tirado, gradativamente essa possibilidade de trabalho e renda para o sustento de nossas famílias.

Queremos deixar claro que nós, como qualquer cidadão que preza pelo meio ambiente, não somos e nunca fomos contra o fechamento do lixão, o que, aliás, já deveria ter acontecido há mais de dez anos, segundo a Lei 12.305/10. A condição de trabalho de catação nos lixões é degradante, perigoso e insalubre. Mas por inércia do poder público na implementação da coleta seletiva com a inclusão socioprodutiva da categoria dos catadores nós, por muitos anos, vínhamos exercendo nossa profissão e gerando renda, desta forma, para o sustento de nossas famílias.

Nós catadores e catadoras somos profissionais, com profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho, devidamente inscrita na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO que descreve assim a profissão: “os Catadores de Materiais Recicláveis são profissionais que catam, selecionam e vendem materiais recicláveis.

São profissionais que se organizam de forma autônoma ou em cooperativas e associações com diretoria e gestão dos próprios Catadores”. Mas na atual gestão municipal nosso trabalho não foi profissionalmente valorizado. Na recente decisão de fechamento do lixão nem nossa profissão e nem nossas vidas receberam atenção do poder público municipal. E parece que também não tiveram importância na ação do Ministério Público de Rondônia e do Judiciário.

No finalzinho de junho de 2023, por meio da imprensa, ficamos informados de que o lixão seria fechado.

Poucos dias antes de iniciar o fechamento do lixão o Prefeito Municipal Dr. Hildon Chaves, chamou representantes dos catadores para uma reunião para comunicar que o Ministério Público entrou com ação

Judicial obrigando ao Prefeito a fechar imediatamente o lixão e que se ele não fechasse teria que pagar pesada multa.

Como forma de “compensação” o prefeito juntamente com os vereadores decidiu que nos dois primeiros meses (agosto e setembro) seria oferecido uma cesta básica às famílias dos catadores e catadoras e que por meio de uma lei (Lei Complementar n° 948/31/08/2023) seria oferecido R$ 1.000,00 (um mil reais) por mês por família a partir de outubro durante seis meses, podendo ser prorrogado por igual período. O prefeito e os vereadores colocaram o nome desta lei de “Mãos Dadas”, mas nós estamos chamando isso de “cala boca catador”.

Já estamos no mês de dezembro e até o momento foi distribuído somente uma das duas cestas básicas prometidas e nenhum pagamento de R$ 1.000,00.

Nós catadores e catadoras já alertamos ao prefeito que há na Vila Princesa famílias com diferentes composições. Tem família com uma pessoa e tem outras com 3 e até 4 catadores. A Prefeitura não fez nem o levantamento completo da quantidade de famílias e muito menos sobre o número real de catadores e catadoras que trabalhavam no lixão. A renda de cada catador e cada catadora quando trabalhava no lixão era superior a esse valor e se o critério for mantido por família vai ser um critério ainda mais injusto com as famílias que trabalhavam com mais membros.

Essa lei complementar não foi feita para reconhecer e valorizar a profissão e a atividade da categoria de catadores, mas para desestimular os catadores e catadoras a continuarem na profissão. Na reunião o prefeito falou de ofertar cursos diversos, em outras áreas profissionais e até o momento nenhum curso foi oferecido.

Para nós isso é uma clara demonstração de que a nossa categoria profissional não é valorizada pelas autoridades do nosso município na sua própria profissão. E nem pela câmara de vereadores do município. Há sim vereadores que se inflamam com discursos, porém sem apontar e propor encaminhamentos efetivos de reconhecimento e valorização da profissão.

Nós catadores e catadoras não gostamos de ser tratados com mero assistencialismo, mas sim como profissionais qualificados que somos e pelo potencial de prestadores de serviços no âmbito do tratamento adequado dos resíduos sólidos, especialmente dos materiais recicláveis.

A Prefeitura Municipal há alguns anos contratou a empresa Marquise para implantar a coleta seletiva em alguns poucos bairros da

cidade e combinou com a empresa para levar o material coletado para junto do galpão de triagem da Cooperativa Catanorte.

Na reunião que o Prefeito convidou representantes ele também informou que iria ampliar a coleta seletiva na cidade por meio da Empresa Marquise para aumentar a quantidade de material reciclável a ser destinado para os catadores da Vila Princesa. Segundo ele, isso seria uma forma de “compensar” o fechamento do lixão. É mais uma demonstração da falta de consideração com os profissionais catadores.

A prefeitura paga um montante de valor para a empresa realizar coleta seletiva e despejar no pátio da Cooperativa. Mas o prefeito em nenhum momento falou sobre qualquer pagamento pelo serviço de triagem que os catadores realizam neste material. E pior, a prefeitura não fiscaliza a qualidade da coleta seletiva realizada pela empresa.

O material chega ao pátio da cooperativa em péssima qualidade com cerca de 70% de rejeito, ou seja: a maior parte do material não é reciclável. A catação no lixão era mais rentável. Isso evidencia que a gestão pública municipal tem a mentalidade de que os catadores devem trabalhar de “graça”. Não precisam ser remunerados pelo serviço que prestam.

Considerando que a qualidade do material oriundo da coleta seletiva que atualmente chega no pátio da Cooperativa Catanorte ficamos sem entender por que o Poder Executivo municipal pode pagar para uma empresa por um serviço, na nossa visão, mal prestado e não paga o serviço que nós, catadores prestamos ao município?

Nós queremos convidar as autoridades que tomaram essa decisão para no decorrer desta semana comparecerem no pátio da Cooperativa Catanorte e verificar de perto a qualidade do material oriundo da coleta seletiva depositado no pátio da cooperativa.

Queremos que avaliem junto conosco se há o mínimo de condições de manter uma cooperativa ativa na atividade com a triagem desse material. Além disso, se esse material é destinado para a cooperativa Catanorte, como ficam os muitos catadores não cooperados? A prefeitura não estabelecerá uma relação injusta entre a categoria de catadores?

É importante registrar que uma cooperativa, para manter sua atividade precisa de volume/escala para comercializar diretamente com as indústrias recicladoras e o fechamento do lixão inviabilizou completamente seu funcionamento.

E, pior, agora a prefeitura vai pagar para a empresa dona do aterro para enterrar o material que nós poderíamos recuperar e dar destinação adequada. Isso não é injusto e ilegal?

A Cooperativa Catanorte estava participando de um programa de Logística Reversa, ou seja, estava sendo remunerada por fabricantes de embalagens e indústrias distribuidoras de alimentos e bebidas. Tal remuneração obedece critérios de tipo e volume de cada material. A remuneração é feita mediante apresentação de notas fiscais emitidas pela cooperativa. Queremos, com muita tristeza, informar que essa decisão de fechamento do lixão que impossibilitou acesso a materiais recicláveis inviabilizou a continuidade desse programa e isso vai impactar também na contabilidade de logística reversa dessas empresas.

Com sugestão dos catadores a prefeitura aceitou criar um grupo de trabalho para estudar e propor um projeto de coleta seletiva em condomínios da cidade contemplando a inclusão socioprodutiva dos catadores. Esse GT está sendo coordenado por técnicos da Secretaria Municipal de Saneamento e Serviços Básicos – SEMUSB.

Temos que reconhecer que esse grupo de trabalho está demonstrando interesse no objetivo e queremos aqui parabenizar a clara intenção de inaugurar um novo procedimento de coleta seletiva e com a inclusão socioprodutiva da categoria profissional dos catadores, mas temos consciência que a conclusão do projeto e sua tramitação burocrática vai demorar vários meses o que coloca o seguinte dilema: e até lá vamos viver do que e fazer o que?

Há alguns anos, com apoio do Fórum Lixo e Cidadania de Rondônia fizemos várias reuniões com o Ministério Público para tratar sobre a questão da inclusão socioprodutiva da categoria profissional de catadores. Fazíamos isso por meio do Ministério Público porque na administração municipal éramos ignorados ou tratados com arrogância e/ou com desdém.

Tínhamos esperança de que por meio do Ministério Público seria possível estabelecer diálogo respeitoso com o poder público municipal que pudesse resultar em avanços no reconhecimento da categoria e em propostas de inclusão socioprodutiva da categoria dos catadores. O rodízio de procuradores indicados na promotoria do meio ambiente também foi um fator que contribuiu para dificultar o diálogo e a mediação com representantes do poder público municipal. Mas, apesar disso, até então confiávamos no Ministério Público como o principal órgão

na defesa dos direitos humanos e no caso, nos direitos sociais da categoria de catadores e na defesa das questões ambientais amparados na Lei 12.305/10 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Estamos aqui por meio deste manifesto externando a nossa enorme frustração com o Ministério Público de Rondônia, com o poder executivo municipal e o poder judiciário de Rondônia, por ignorarem nossa profissão e nossas condições de vida e de trabalho e de prestação de serviços não reconhecidos e, portanto, consequentemente não remunerados.

Gostaríamos que as pessoas, as autoridades que tomaram essa decisão, viessem nos visitar hoje e ver de perto a situação de miséria e de desalento a que nossa categoria profissional foi jogada. Essas autoridades estão nos proporcionando esse triste e desastroso “presente de Natal e de Ano Novo”.

Também queremos informar às autoridades de que no decorrer desta última semana de novembro vários filhos estudantes deixaram de ir às aulas pelo fato de as famílias não terem dinheiro para pagar as passagens de ônibus. Gostaríamos de perguntar às autoridades, se estivessem no nosso lugar e na nossa situação que atitude tomariam? Muito provavelmente nossos filhos vão perder o ano letivo e desestimulados de retomar aulas no próximo ano letivo.

Nós temos perguntas que não querem calar nas nossas cabeças e nos nossos corações. E não sabemos mais quem pode responder.

Pela lei 12.305/10, antes de fechar o lixão não deveria ser implantada a coleta seletiva em todo município para evitar que materiais recicláveis sejam levados ao aterro sanitário?

O prefeito nos informou publicamente em reunião que o Ministério Público de Rondônia entrou com ação judicial obrigando contratar aterro sanitário para destinar o lixo onde não teríamos mais acesso. Informou ainda que deveria cumprir imediatamente a decisão de fechar o lixão.

Se é verdade que o Ministério Público de Rondônia e o Judiciário de Rondônia fez essa determinação ao prefeito do município de Porto Velho, desconsiderando completamente o trabalho e o meio de sustentação econômica da categoria profissional de catadores da Vila Princesa que há 30 anos desenvolvem seu trabalho e tiravam dali a renda por meio da catação de materiais recicláveis no lixão, a quem e como poderemos

Recorrer para termos nosso meio de trabalho e de renda restabelecidos?

Outra pergunta: Não é crime destinar ao aterro sanitário material reciclável? E, pior, pagar para enterrar material reciclável, quando poderia gerar renda e trabalho aos catadores por meio da coleta seletiva e dar destinação adequada?

São aproximadamente 300 os catadores e catadoras que trabalhavam no lixão e a maioria vendia seus materiais para atravessadores e por isso não se tem um registro exato da quantidade de material que era recuperado para reciclagem, mas a cooperativa Catanorte que tem no seu quadro de cooperados somente 48 catadores processava em média 250 toneladas/mês de material reciclável retirado do lixão.

Esse montante de material pode ser perfeitamente conferido por meio das notas fiscais emitidas e imposto devido recolhido. E, porque o Ministério Público e Judiciário ignoraram esse relevante serviço social, econômico e ambiental que nós catadores e catadoras estávamos prestando no Município de Porto Velho?

Queremos deixar claro que esse montante de volume (250 tonelada/mês) se refere às atividades dos 48 cooperados da Cooperativa Catanorte. Nós não temos como dimensionar o volume e movimentação financeira dos mais de 200 catadores e catadoras que vendiam seus materiais para outros comerciantes “atravessadores”.

A gestão atual da prefeitura nunca se importou em organizar a atividade no lixão, nos condomínios habitacionais e nas ruas e por isso não temos como dimensionar o total de movimentação mensal de volume e montante financeiro envolvido na comercialização. A gestão executiva do município foi omissa com a categoria e com a disciplina da atividade de catação no lixão.

Outra questão que nos deixa sem entender o comportamento do Ministério Público é o fato de que ele publicou uma cartilha com orientação para o fechamento de lixões onde orienta o poder público municipal sobre os procedimentos a serem adotados antes do fechamento e destaca a necessidade de implantar a coleta seletiva e contratar entidades de catadores, apresentando inclusive modelo de contrato. Por que as orientações dessa cartilha foram ignoradas pelo próprio Ministério Público de Rondônia na ação que determinou o fechamento do lixão sem antes promover a implantação da coleta seletiva com a inclusão socioprodutiva dos catadores?

Outra questão que ainda nos deixa confusos é o fato de que em 2021 o Ministério Público de Rondônia juntamente com o Ministério Público do Trabalho de Rondônia protocolou junto ao poder público municipal de Porto Velho a recomendação conjunta nº 001/2021 protocolada junto à SEMUSB em 12/11/2021. Nesta recomendação, de dois anos atrás, deixava claro a necessidade do poder executivo municipal de atentar para a coleta seletiva e o reconhecimento do relevante serviço dos catadores. Por que o Ministério Público de Rondônia ignora agora sua própria recomendação ao determinar ao poder executivo municipal o fechamento imediato do lixão, desconsiderando questões sociais e ambientais contidas na referida recomendação?

E ainda: Em 07 de agosto de 2023 através do Fórum Lixo e Cidadania de Rondônia foi encaminhado uma mensagem com diversos anexos ao Ministério Público de Rondônia, mais precisamente endereçada ao excelentíssimo Procurador Geral de Justiça. Só tivemos a confirmação de recebimento, mas nenhuma palavra em resposta às preocupações levantadas.

Na mesma época também encaminhamos mensagem semelhante ao Tribunal de Contas de Rondônia e até hoje não fomos merecedores de qualquer resposta.

Desculpem nosso desabafo: mas nós catadores e catadoras estamos tendo a sensação de que nós, nesta decisão de fechamento do lixão, estamos sendo considerados lixo pelas autoridades envolvidas na determinação de fechamento do lixão da forma como está sendo executado. Estamos nos sentindo igual lixo descartável!!!

O QUE DESEJAMOS E REIVINDICAMOS DAS AUTORIDADES DO EXECUTIVO, DO LEGISLATIVO E DO JUDICIÁRIO DO NOSSO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO, DO ESTADO DE RONDÔNIA E DO BRASIL:

Que as autoridades dos poderes envolvidos na decisão e na execução recente do fechamento do lixão do município de Porto Velho nos informem se essa forma de fechamento de lixão está de acordo com a lei 12.305/10 no que se refere às questões ambiental, econômica e social. Se esta forma de decisão está em sintonia com o plano estadual de resíduos sólidos e com o plano municipal de saneamento básico no

quesito que trata dos resíduos sólidos. Estamos muito confusos em relação a essas leis e a forma como se transcorreu o fechamento do lixão.

E se Prefeitura não estiver de acordo com as leis não deveria igualmente receber pesada multa pelo descumprimento da lei?

Queremos saber se essas autoridades podem rever decisões e corrigir injustiças sociais e desrespeito com a questão do meio ambiente ao destinar resíduos sólidos diretamente ao aterro sanitário sem antes realizar a seleção de material reciclável.

Gostaríamos de saber se as autoridades que tomaram essa decisão avaliaram implicações econômicas envolvendo recursos públicos? Pois nós entendemos que os recursos públicos envolvidos nessa decisão deveriam ser melhor empregados, com resultados econômicos, sociais e ambientais em sintonia com a Lei 12.305/10. É correto pagar para enterrar material reciclável?

Essa forma de fechamento do lixão obrigou a prefeitura contratar o aterro sanitário e pagar um valor por tonelada de resíduos, ou seja, além de retirar a oportunidade de trabalho dos catadores que retiravam em média de 300 a 500 toneladas/mês de material reciclável, causou caos, flagelo social e está causando crime ambiental ao destinar esse montante de material reciclável para ser aterrado no aterro sanitário. O valor que a prefeitura está pagando para enterrar o material reciclável não poderia ser melhor empregado pagando aos catadores para prestar o serviço de coleta seletiva e dar destinação adequada?

Mais uma vez queremos pedir desculpas pelo nosso desabafo e inquietude. Vamos aguardar respostas objetivas e com a devida urgência. A fome e as nossas contas (não pagas) não esperam. As respostas certamente irão nos ajudar para avaliar próximos passos de reivindicações e manifestações. A conta não está fechando e nós vamos lutar com todos os meios legais para sermos reconhecidos profissionalmente e remunerados pelos serviços que prestamos e que podemos prestar na destinação adequada de resíduos sólidos de acordo com a Lei 12.305/10.

Estamos pedindo socorro não meramente assistencial e passageiro. Queremos que autoridades e quem mais possa nos ajudem a termos de volta nossa dignidade por meio de trabalho devidamente reconhecido.

Nosso trabalho tem tudo em favor do meio ambiente.





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