Dono e apresentador da emissora tinha enorme faro para o comércio e gigantesco talento para a comunicação
Porto Velho, RO - Silvio Santos, dono e apresentador do SBT, morreu neste sábado, aos 93 anos. Também empresário, ele estava internado na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ainda não há informações sobre a causa da morte, o velório e o sepultamento.
"Hoje o céu está alegre com a chegada do nosso amado Silvio Santos. Ele viveu 93 anos para levar felicidade e amor a todos os brasileiros. A família é muito grata ao Brasil pelos mais de 65 anos de convivência com muita alegria", disse o SBT em nota publicada nas redes sociais.
"Para nós, Senor Abravanel é ainda mais especial e somos muito felizes pelo presente que Deus nos deu e por todos os momentos maravilhosos que tivemos juntos. Aquele sorriso largo e voz tão familiar será para sempre lembrada com muita gratidão. Descansa em paz, que você sempre será eterno em nossos corações."
Orgulhoso de sua intuição, Silvio Santos construiu uma das carreiras mais bem-sucedidas e ao mesmo tempo insólitas da história da televisão brasileira. Sem ligação com políticos nem vínculo com algum grupo empresarial, dizia ser o único dono de TV que gostava realmente de TV.
Fato raro na indústria do entretenimento, foi por quase cinco décadas apresentador e proprietário de sua emissora de televisão. Dono de uma fortuna estimada em cerca de R$ 6 bilhões, chegou a ser sócio majoritário de mais de 30 empresas, mas dizia não saber nem o endereço de algumas delas.
Mais do que um pseudônimo para Senor Abravanel —nome verdadeiro do apresentador, filho de imigrantes judeus de origem turca e grega—, Silvio Santos deu vida a um personagem com uma mitologia própria, lapidada com carinho ao longo de décadas.
Lendas e histórias reais se confundem de tal forma que chega a ser temeroso fazer afirmações categóricas de cunho biográfico. Veja, por exemplo, o caso de Jassa, cabeleireiro que o apresentador frequentou regularmente desde a década de 1970 para evitar os fios brancos.
Em muitas reportagens, Jassa é apontado como o "melhor amigo" de Silvio, tendo até influenciado em decisões artísticas e empresariais do cliente, como a contratação de Raul Gil, em 2010, entre outras façanhas lendárias que o tempo transformou em verdades.
Quando a primeira mulher de Silvio, Cidinha, morreu em 1977, a maioria dos fãs nem sabia que ele era casado e tinha duas filhas. Hábil no trato com os jornalistas, o apresentador conseguiu manter sua verdadeira idade como segredo até meados da década de 1980, sempre subtraindo cinco anos ou mais.
Ao entrevistá-lo para a Veja em 1985, o jornalista Mario Sergio Conti, colunista da Folha, teve o cuidado de anotar: "Silvio Santos, que afirma ter 49 anos". Tinha 54. Em 1987, pela primeira vez, surgem menções à data de nascimento que parece ser a verdadeira, 12 de dezembro de 1930.
A própria história de como Silvio deu os primeiros passos na vida é objeto das mais variadas versões, contadas pelo próprio. Foi camelô aos 14 anos, vendendo capinhas para título de eleitor e canetas, mas nunca ficou claro se fez isso por exigência familiar ou desejo precoce de independência.
Também parece folclórica a história que sempre contou a respeito do fiscal da prefeitura que, em vez de reprimir o camelô, encantou-se por sua voz e o levou —ou indicou— para um teste radiofônico, onde tudo começou.
Não menos repleta de versões é a história de como, já em São Paulo, em meados da década de 1950, adquiriu o Baú da Felicidade, um negócio que então andava mal das pernas e, com a sua dedicação, se tornaria um sucesso extraordinário.
Fato é que sua trajetória sublinha, sempre, os feitos de um sujeito com enorme faro para o comércio e gigantesco talento para a comunicação. Combinando ambos os predicados, foi vender os seus produtos na televisão. E nunca pretendeu ser algo diferente disso –um comerciante na TV.
Primeiro, comprou um horário na TV Paulista, emissora posteriormente adquirida pela Globo. Ocupou os domingos, dia desprezado pelas emissoras na década de 1960.
Quando Walter Clark e Jose Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, começaram a implantar o famoso "padrão Globo de qualidade", no início dos anos 1970, encontraram Silvio encastelado na grade dominical, com autoridade total, inclusive sobre a comercialização de publicidade. Tentaram tirá-lo, mas Roberto Marinho renovou o seu contrato.
O empresário só deixou a Globo quando obteve a primeira de uma série de concessões para dirigir a própria emissora. O canal 11, TVS, no Rio de Janeiro, foi dado pelo general Ernesto Geisel, em 1975. O filé mignon, a licença para explorar o canal 4, em São Paulo, e outros quatro canais, foi dada pelo general João Baptista Figueiredo, em 1981.
À base de muita articulação política e bajulação, jamais negadas por Silvio Santos, nascia o SBT. Um quadro infame, com nítido caráter publicitário, marcou época neste período. Chamava-se A Semana do Presidente.
A prova de que sempre foi um comerciante e não um homem de comunicação é o descaso com que tratou o jornalismo do SBT. Repetidas vezes, explicou: "Eu já dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar e só elogiar o governo". Em 2016, escalou um garoto de 18 anos, Dudu Camargo, para apresentar um telejornal.
Bajulou todos os presidentes, de Emílio Garrastazu Médici a Jair Bolsonaro, mantendo a sua televisão em modo de alheamento político. Mas nunca, como nos anos Bolsonaro, mostrou tamanho entusiasmo por um governante. Chegou a dizer que sonhava com oito anos de governo Bolsonaro seguidos por oito anos de um governo de Sergio Moro. Um genro seu, o deputado Fabio Faria, foi ministro das Comunicações de Bolsonaro.
De forma errática, sempre seguindo a sua intuição, dizia, levou o SBT ao posto de segunda maior emissora de TV do Brasil. Apostou inicialmente numa programação muito popularesca, o que levantou a audiência, mas afastou anunciantes. Reduziu a baixaria, mas sempre centrado no que havia de mais popular —programas de auditório, novelas mexicanas, "Chaves", filmes da Disney e desenhos animados.
Em alguns poucos momentos, investiu em programação da qualidade, sobretudo no jornalismo, mas debochava dos resultados alcançados em matéria de audiência.
Silvio mexeu tanto na grade da emissora que a sigla SBT ficou conhecida internamente como "Silvio Brincando de Televisão". O programa de Serginho Groisman no SBT, por exemplo, mudou de horário mais de 20 vezes, atrações foram canceladas no dia seguinte à estreia, funcionários foram demitidos e recontratados de acordo com o seu humor no dia.
Em 2007, Silvio pagou o preço pela administração caótica de anos. A Record, adquirida por Edir Macedo do próprio empresário em 1990, desalojou o SBT do segundo lugar.
Em um segmento —a política partidária—, a intuição de Silvio não funcionou. Tentou disputar quatro eleições. Num episódio vexaminoso, aceitou ser candidato à Presidência da República, em 1989, 15 dias antes da eleição, por um certo Partido Municipalista Brasileiro. A can didatura foi impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O talento do empresário à frente dos negócios foi colocado em xeque em meados de 2010, quando se soube que o Banco PanAmericano havia quebrado com suspeita de gestão fraudulenta. Hábil negociador, saiu da história sem o banco, mas com o patrimônio intacto.
"Palladino? Que Palladino? Nunca fui ao banco. Nem sei onde é o prédio", disse na ocasião. Rafael Palladino, o principal executivo do banco, era primo de Íris, sua mulher.
Pai de seis filhas —as outras quatro de seu segundo casamento—, Silvio jamais teve um herdeiro na televisão. Houve alguns candidatos, como Gugu Liberato e Celso Portiolli, mas nenhum foi ungido pelo patrão.
Ameaçou se aposentar diversas vezes, desde a década de 1970, mas só foi abandonar o palco perto do fim de sua vida. Disse à revista Contigo, certa vez, que tinha uma doença fatal. Mas a notícia, que estampou a capa da publicação, era falsa.
Na década de 2020, passou pelo constrangimento de ser cancelado por parte dos fãs, que não toleravam mais o seu jeito desabrido de tratar mulheres e minorias sociais com piadas preconceituosas e de gosto duvidoso.
Devido à pandemia do coronavírus, permaneceu confinado em casa de março de 2020 a julho de 2021. Neste período, o SBT pareceu sofrer mais que os concorrentes com a queda de faturamento. Perto da comemoração dos 40 anos de sua emissora, um vacinado Silvio se sentiu motivado a voltar a gravar. Contraiu Covid-19.
Num sinal de como é complicada a sua substituição, ao deixar de apresentar o seu programa, em 2023, a atração foi rebatizada como Programa Silvio Santos com Patrícia Abravanel. E seguiu dando palpites na administração da rede, comandada por outra filha, Daniela Beyruti.
É difícil imaginar um SBT sem Silvio Santos —e isso muito por sua disposição ou, se preferir, culpa. Silvio foi a cara da empresa que construiu, cuja continuidade depende da capacidade de sua família de reinventá-la sem alterar o seu DNA.
Fonte: Folha de São Paulo
"Hoje o céu está alegre com a chegada do nosso amado Silvio Santos. Ele viveu 93 anos para levar felicidade e amor a todos os brasileiros. A família é muito grata ao Brasil pelos mais de 65 anos de convivência com muita alegria", disse o SBT em nota publicada nas redes sociais.
"Para nós, Senor Abravanel é ainda mais especial e somos muito felizes pelo presente que Deus nos deu e por todos os momentos maravilhosos que tivemos juntos. Aquele sorriso largo e voz tão familiar será para sempre lembrada com muita gratidão. Descansa em paz, que você sempre será eterno em nossos corações."
Orgulhoso de sua intuição, Silvio Santos construiu uma das carreiras mais bem-sucedidas e ao mesmo tempo insólitas da história da televisão brasileira. Sem ligação com políticos nem vínculo com algum grupo empresarial, dizia ser o único dono de TV que gostava realmente de TV.
Fato raro na indústria do entretenimento, foi por quase cinco décadas apresentador e proprietário de sua emissora de televisão. Dono de uma fortuna estimada em cerca de R$ 6 bilhões, chegou a ser sócio majoritário de mais de 30 empresas, mas dizia não saber nem o endereço de algumas delas.
Mais do que um pseudônimo para Senor Abravanel —nome verdadeiro do apresentador, filho de imigrantes judeus de origem turca e grega—, Silvio Santos deu vida a um personagem com uma mitologia própria, lapidada com carinho ao longo de décadas.
Lendas e histórias reais se confundem de tal forma que chega a ser temeroso fazer afirmações categóricas de cunho biográfico. Veja, por exemplo, o caso de Jassa, cabeleireiro que o apresentador frequentou regularmente desde a década de 1970 para evitar os fios brancos.
Em muitas reportagens, Jassa é apontado como o "melhor amigo" de Silvio, tendo até influenciado em decisões artísticas e empresariais do cliente, como a contratação de Raul Gil, em 2010, entre outras façanhas lendárias que o tempo transformou em verdades.
Quando a primeira mulher de Silvio, Cidinha, morreu em 1977, a maioria dos fãs nem sabia que ele era casado e tinha duas filhas. Hábil no trato com os jornalistas, o apresentador conseguiu manter sua verdadeira idade como segredo até meados da década de 1980, sempre subtraindo cinco anos ou mais.
Ao entrevistá-lo para a Veja em 1985, o jornalista Mario Sergio Conti, colunista da Folha, teve o cuidado de anotar: "Silvio Santos, que afirma ter 49 anos". Tinha 54. Em 1987, pela primeira vez, surgem menções à data de nascimento que parece ser a verdadeira, 12 de dezembro de 1930.
A própria história de como Silvio deu os primeiros passos na vida é objeto das mais variadas versões, contadas pelo próprio. Foi camelô aos 14 anos, vendendo capinhas para título de eleitor e canetas, mas nunca ficou claro se fez isso por exigência familiar ou desejo precoce de independência.
Também parece folclórica a história que sempre contou a respeito do fiscal da prefeitura que, em vez de reprimir o camelô, encantou-se por sua voz e o levou —ou indicou— para um teste radiofônico, onde tudo começou.
Não menos repleta de versões é a história de como, já em São Paulo, em meados da década de 1950, adquiriu o Baú da Felicidade, um negócio que então andava mal das pernas e, com a sua dedicação, se tornaria um sucesso extraordinário.
Fato é que sua trajetória sublinha, sempre, os feitos de um sujeito com enorme faro para o comércio e gigantesco talento para a comunicação. Combinando ambos os predicados, foi vender os seus produtos na televisão. E nunca pretendeu ser algo diferente disso –um comerciante na TV.
Primeiro, comprou um horário na TV Paulista, emissora posteriormente adquirida pela Globo. Ocupou os domingos, dia desprezado pelas emissoras na década de 1960.
Quando Walter Clark e Jose Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, começaram a implantar o famoso "padrão Globo de qualidade", no início dos anos 1970, encontraram Silvio encastelado na grade dominical, com autoridade total, inclusive sobre a comercialização de publicidade. Tentaram tirá-lo, mas Roberto Marinho renovou o seu contrato.
O empresário só deixou a Globo quando obteve a primeira de uma série de concessões para dirigir a própria emissora. O canal 11, TVS, no Rio de Janeiro, foi dado pelo general Ernesto Geisel, em 1975. O filé mignon, a licença para explorar o canal 4, em São Paulo, e outros quatro canais, foi dada pelo general João Baptista Figueiredo, em 1981.
À base de muita articulação política e bajulação, jamais negadas por Silvio Santos, nascia o SBT. Um quadro infame, com nítido caráter publicitário, marcou época neste período. Chamava-se A Semana do Presidente.
A prova de que sempre foi um comerciante e não um homem de comunicação é o descaso com que tratou o jornalismo do SBT. Repetidas vezes, explicou: "Eu já dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar e só elogiar o governo". Em 2016, escalou um garoto de 18 anos, Dudu Camargo, para apresentar um telejornal.
Bajulou todos os presidentes, de Emílio Garrastazu Médici a Jair Bolsonaro, mantendo a sua televisão em modo de alheamento político. Mas nunca, como nos anos Bolsonaro, mostrou tamanho entusiasmo por um governante. Chegou a dizer que sonhava com oito anos de governo Bolsonaro seguidos por oito anos de um governo de Sergio Moro. Um genro seu, o deputado Fabio Faria, foi ministro das Comunicações de Bolsonaro.
De forma errática, sempre seguindo a sua intuição, dizia, levou o SBT ao posto de segunda maior emissora de TV do Brasil. Apostou inicialmente numa programação muito popularesca, o que levantou a audiência, mas afastou anunciantes. Reduziu a baixaria, mas sempre centrado no que havia de mais popular —programas de auditório, novelas mexicanas, "Chaves", filmes da Disney e desenhos animados.
Em alguns poucos momentos, investiu em programação da qualidade, sobretudo no jornalismo, mas debochava dos resultados alcançados em matéria de audiência.
Silvio mexeu tanto na grade da emissora que a sigla SBT ficou conhecida internamente como "Silvio Brincando de Televisão". O programa de Serginho Groisman no SBT, por exemplo, mudou de horário mais de 20 vezes, atrações foram canceladas no dia seguinte à estreia, funcionários foram demitidos e recontratados de acordo com o seu humor no dia.
Em 2007, Silvio pagou o preço pela administração caótica de anos. A Record, adquirida por Edir Macedo do próprio empresário em 1990, desalojou o SBT do segundo lugar.
Em um segmento —a política partidária—, a intuição de Silvio não funcionou. Tentou disputar quatro eleições. Num episódio vexaminoso, aceitou ser candidato à Presidência da República, em 1989, 15 dias antes da eleição, por um certo Partido Municipalista Brasileiro. A can didatura foi impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O talento do empresário à frente dos negócios foi colocado em xeque em meados de 2010, quando se soube que o Banco PanAmericano havia quebrado com suspeita de gestão fraudulenta. Hábil negociador, saiu da história sem o banco, mas com o patrimônio intacto.
"Palladino? Que Palladino? Nunca fui ao banco. Nem sei onde é o prédio", disse na ocasião. Rafael Palladino, o principal executivo do banco, era primo de Íris, sua mulher.
Pai de seis filhas —as outras quatro de seu segundo casamento—, Silvio jamais teve um herdeiro na televisão. Houve alguns candidatos, como Gugu Liberato e Celso Portiolli, mas nenhum foi ungido pelo patrão.
Ameaçou se aposentar diversas vezes, desde a década de 1970, mas só foi abandonar o palco perto do fim de sua vida. Disse à revista Contigo, certa vez, que tinha uma doença fatal. Mas a notícia, que estampou a capa da publicação, era falsa.
Na década de 2020, passou pelo constrangimento de ser cancelado por parte dos fãs, que não toleravam mais o seu jeito desabrido de tratar mulheres e minorias sociais com piadas preconceituosas e de gosto duvidoso.
Devido à pandemia do coronavírus, permaneceu confinado em casa de março de 2020 a julho de 2021. Neste período, o SBT pareceu sofrer mais que os concorrentes com a queda de faturamento. Perto da comemoração dos 40 anos de sua emissora, um vacinado Silvio se sentiu motivado a voltar a gravar. Contraiu Covid-19.
Num sinal de como é complicada a sua substituição, ao deixar de apresentar o seu programa, em 2023, a atração foi rebatizada como Programa Silvio Santos com Patrícia Abravanel. E seguiu dando palpites na administração da rede, comandada por outra filha, Daniela Beyruti.
É difícil imaginar um SBT sem Silvio Santos —e isso muito por sua disposição ou, se preferir, culpa. Silvio foi a cara da empresa que construiu, cuja continuidade depende da capacidade de sua família de reinventá-la sem alterar o seu DNA.
Fonte: Folha de São Paulo
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