Incêndio atinge o Parque Nacional de Brasília neste domingo — Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Porto Velho, Rondônia - Anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na semana passada como resposta à crise das queimadas, a Autoridade Climática só desempenhará papel efetivo se for independente e tiver caráter técnico, boa estrutura e orçamento robusto, avaliam especialistas ouvidos pelo GLOBO. O governo federal ainda discute como tirar do papel o novo órgão, que teve a implementação discutida na transição de governo, no fim de 2022, ideia que foi abandonada posteriormente após divergências sobre qual ministério seria responsável por abrigá-lo.
A criação, defendida pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente), voltou a ganhar força com o alastramento dos incêndios pelo país — tragédia que veio meses depois de outra consequência climática de impacto, as cheias no Rio Grande do Sul. Na semana passada, Marina defendeu que o órgão esteja ligado à sua pasta.
Mais do que a vinculação, no entanto, pesquisadores afirmam que se a estrutura não for técnica, com orçamento suficiente e autonomia, pode acabar com os objetivos frustrados. Referência no debate sobre aquecimento global, o cientista climático Carlos Nobre ressalta que a iniciativa é positiva, necessária para o momento que o país vive, mas se preocupa com o formato. Para ele, é preciso que haja uma equipe técnica capacitada e uma “megaestrutura”:
— É importante ter um “imperador climático”, que vai articular com todas as outras estruturas e ter autoridade para fazer a implementação das políticas de adaptação de uma maneira muito mais eficiente. Caso a Autoridade Climática fique dentro de um ministério, vai precisar de aprovação do ministro para tudo, o que enfraquece a atuação. Essa é a maior crise ambiental climática que o homem já viu.
Marina cita ‘gestão do risco’
O plano do governo prevê uma atuação mais próxima com estados e municípios, com a criação inclusive de um estágio permanente de emergência climática para as regiões mais críticas, o que reduziria burocracias para envio de recursos e equipes, por exemplo. Na definição de Marina Silva em entrevista ao GLOBO na semana passada, é necessário sair apenas da “gestão do desastre” para criar uma “lógica da gestão do risco”.
Secretário-Executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini lembra que, ao ser inicialmente discutida, falava-se que a Autoridade seria como uma autarquia, muito parecida com o papel do Banco Central, com “um grau de autonomia para desenvolver projetos e comandar a parte do clima, colocando regras em ações do governo”. Astrini pontua que não está claro como será a estrutura, mas defende que o governo envie ao Congresso a proposta mais “ousada” possível.
— O pior cenário é a Autoridade Climática não acontecer de novo. O segundo pior é que seja um órgão de representação política. Se for por aí, eu acho que a efetividade dela fica baixa – frisou.
Por outro lado, o engenheiro florestal Tasso Azevedo, que participou ativamente das discussões em torno da criação da Autoridade Climática, avalia que a autonomia não é uma questão central, e que o mais relevante é que o novo órgão tenha uma estrutura forte. Para ele, a entidade precisa estar vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.
— O importante é ter uma agência efetiva, com quadro técnico, e não um órgão político; que possa apontar exatamente os cenários que a gente tem pela frente, sem viés, e que possa regular a questão das emissões. Se temos metas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, é preciso de uma agência para regular. Ter autonomia é relevante, mas o mais importante é um perfil técnico e com capacidade. Sabendo dos impactos, você prepara os municípios para serem mais resilientes para as mudanças do clima. A ideia é ter um organismo que orquestre isso, com caráter regulatório e executivo — avaliou Azevedo, professor visitante na Universidade de Princeton.
A necessidade de um olhar atento para o cumprimento de metas também foi ressaltada pelo ex-CEO do Itaú Candido Bracher, que tem atuação na causa ambiental.
— Tem que ser responsável por redução de emissões de carbono como o Banco Central é responsável por manter inflação baixa. Com acompanhamento de métricas e consequências, caso não sejam cumpridas. É preciso uma governança que atravesse governos — disse em entrevista ao programa “Diálogos com Mário Sergio Conti”, da GloboNews.
Já a pesquisadora Thelma Krug, ex-vice-presidente do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), diz que se preocupa com a criação de um novo órgão em meio a uma crise — e pontua que, caso a iniciativa vá adiante, é essencial que tenha uma estrutura à altura.
— É preciso que ela tenha um papel central e possa conversar com todo mundo. Se não for essa formatação, não funciona. É preciso discutir bem, e é necessário dinheiro.
Experiências pelo mundo
Pelo mundo, com abordagens distintas, existem estruturas que cuidam das ações para redução de emissão de gases, como a agência norueguesa de meio ambiente, ligada ao ministério à frente do tema. Nos Estados Unidos, John Kerry é o emissário para cuidar de assuntos do clima, mas sua atuação é mais diplomática, de diálogo com outros países.
Na Austrália, existe a Autoridade de Mudanças Climáticas. Criado em 2011, o órgão é independente, mas apenas fornece aconselhamento ao governo local e prepara um relatório anual sobre mudanças do clima ao Parlamento, sem poder decisório ou regulatório.
Na Dinamarca, existe uma agência de proteção do meio ambiente, ligada ao ministério de mesmo nome. Ela é responsável por preparar a legislação, diretrizes, fazer monitoramento de empresas e conceder autorizações em diversas áreas. Já no Reino Unido, a Agência de Meio Ambiente tem uma atribuição ampla, sendo responsável por, entre outras tarefas, regular indústrias e a qualidade e os recursos da água.
Os pontos-chave
Porto Velho, Rondônia - Anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na semana passada como resposta à crise das queimadas, a Autoridade Climática só desempenhará papel efetivo se for independente e tiver caráter técnico, boa estrutura e orçamento robusto, avaliam especialistas ouvidos pelo GLOBO. O governo federal ainda discute como tirar do papel o novo órgão, que teve a implementação discutida na transição de governo, no fim de 2022, ideia que foi abandonada posteriormente após divergências sobre qual ministério seria responsável por abrigá-lo.
A criação, defendida pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente), voltou a ganhar força com o alastramento dos incêndios pelo país — tragédia que veio meses depois de outra consequência climática de impacto, as cheias no Rio Grande do Sul. Na semana passada, Marina defendeu que o órgão esteja ligado à sua pasta.
Mais do que a vinculação, no entanto, pesquisadores afirmam que se a estrutura não for técnica, com orçamento suficiente e autonomia, pode acabar com os objetivos frustrados. Referência no debate sobre aquecimento global, o cientista climático Carlos Nobre ressalta que a iniciativa é positiva, necessária para o momento que o país vive, mas se preocupa com o formato. Para ele, é preciso que haja uma equipe técnica capacitada e uma “megaestrutura”:
— É importante ter um “imperador climático”, que vai articular com todas as outras estruturas e ter autoridade para fazer a implementação das políticas de adaptação de uma maneira muito mais eficiente. Caso a Autoridade Climática fique dentro de um ministério, vai precisar de aprovação do ministro para tudo, o que enfraquece a atuação. Essa é a maior crise ambiental climática que o homem já viu.
Marina cita ‘gestão do risco’
O plano do governo prevê uma atuação mais próxima com estados e municípios, com a criação inclusive de um estágio permanente de emergência climática para as regiões mais críticas, o que reduziria burocracias para envio de recursos e equipes, por exemplo. Na definição de Marina Silva em entrevista ao GLOBO na semana passada, é necessário sair apenas da “gestão do desastre” para criar uma “lógica da gestão do risco”.
Secretário-Executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini lembra que, ao ser inicialmente discutida, falava-se que a Autoridade seria como uma autarquia, muito parecida com o papel do Banco Central, com “um grau de autonomia para desenvolver projetos e comandar a parte do clima, colocando regras em ações do governo”. Astrini pontua que não está claro como será a estrutura, mas defende que o governo envie ao Congresso a proposta mais “ousada” possível.
— O pior cenário é a Autoridade Climática não acontecer de novo. O segundo pior é que seja um órgão de representação política. Se for por aí, eu acho que a efetividade dela fica baixa – frisou.
Por outro lado, o engenheiro florestal Tasso Azevedo, que participou ativamente das discussões em torno da criação da Autoridade Climática, avalia que a autonomia não é uma questão central, e que o mais relevante é que o novo órgão tenha uma estrutura forte. Para ele, a entidade precisa estar vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.
— O importante é ter uma agência efetiva, com quadro técnico, e não um órgão político; que possa apontar exatamente os cenários que a gente tem pela frente, sem viés, e que possa regular a questão das emissões. Se temos metas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, é preciso de uma agência para regular. Ter autonomia é relevante, mas o mais importante é um perfil técnico e com capacidade. Sabendo dos impactos, você prepara os municípios para serem mais resilientes para as mudanças do clima. A ideia é ter um organismo que orquestre isso, com caráter regulatório e executivo — avaliou Azevedo, professor visitante na Universidade de Princeton.
A necessidade de um olhar atento para o cumprimento de metas também foi ressaltada pelo ex-CEO do Itaú Candido Bracher, que tem atuação na causa ambiental.
— Tem que ser responsável por redução de emissões de carbono como o Banco Central é responsável por manter inflação baixa. Com acompanhamento de métricas e consequências, caso não sejam cumpridas. É preciso uma governança que atravesse governos — disse em entrevista ao programa “Diálogos com Mário Sergio Conti”, da GloboNews.
Já a pesquisadora Thelma Krug, ex-vice-presidente do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), diz que se preocupa com a criação de um novo órgão em meio a uma crise — e pontua que, caso a iniciativa vá adiante, é essencial que tenha uma estrutura à altura.
— É preciso que ela tenha um papel central e possa conversar com todo mundo. Se não for essa formatação, não funciona. É preciso discutir bem, e é necessário dinheiro.
Experiências pelo mundo
Pelo mundo, com abordagens distintas, existem estruturas que cuidam das ações para redução de emissão de gases, como a agência norueguesa de meio ambiente, ligada ao ministério à frente do tema. Nos Estados Unidos, John Kerry é o emissário para cuidar de assuntos do clima, mas sua atuação é mais diplomática, de diálogo com outros países.
Na Austrália, existe a Autoridade de Mudanças Climáticas. Criado em 2011, o órgão é independente, mas apenas fornece aconselhamento ao governo local e prepara um relatório anual sobre mudanças do clima ao Parlamento, sem poder decisório ou regulatório.
Na Dinamarca, existe uma agência de proteção do meio ambiente, ligada ao ministério de mesmo nome. Ela é responsável por preparar a legislação, diretrizes, fazer monitoramento de empresas e conceder autorizações em diversas áreas. Já no Reino Unido, a Agência de Meio Ambiente tem uma atribuição ampla, sendo responsável por, entre outras tarefas, regular indústrias e a qualidade e os recursos da água.
Os pontos-chave
- Perfil técnico: Pesquisadores frisam que a concepção da Autoridade Climática precisa conferir a ela um caráter estritamente técnico. A presença de uma equipe com ampla capacitação para atuar na área, acrescentam, é fundamental para o sucesso da medida.
- Autonomia: Uma das alternativas seria a criação de uma espécie de autarquia, com independência similar à do Banco Central, por exemplo. A autonomia para desenvolver projetos e comandar iniciativas climáticas é vista como determinante para robustecer o impacto do trabalho.
- Estrutura: Analistas veem necessidade de um orçamento robusto, condizente com o tamanho do desafio da crise climática. A capilaridade permitiria ao órgão agir de modo transversal junto a ministérios, uma vez que a agenda interfere em áreas diversas.
- Blindagem: Os especialistas frisam ainda que transformar a nova estrutura em um “órgão de representação política” reduziria sua efetividade. “Se coloca dentro de um ministério, vai precisar de aprovação para tudo e fica muito fraco”, pontua o cientista climático Carlos Nobre.
Fonte: O GLOBO
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